Saúde
Cresce o número de jovens submetidos a uso de pulmão e coração artificiais


O professor de química Robert Gessner Junior, 31 anos, e o empresário e fisiculturista Kaique Barbanti, 28 anos, são exemplos de pessoas jovens que sofreram com as graves complicações da covid-19 e que foram salvas pelo procedimento de oxigenação por membrana extracorpórea (ECMO). O tratamento, de alta complexidade, funciona como um pulmão e um coração artificial e é considerado por muitos médicos como o último suspiro do paciente.
“Quando esgotamos todas as alternativas de tratamento, principalmente de fisioterapia e ventilação mecânica e não temos resposta, a ECMO é nossa última opção”, explica o médico intensivista e coordenador da UTI do Hospital Marcelino Champagnat, Jarbas da Silva Motta Junior.
É importante ressaltar que a ECMO exige muito do corpo, portanto, não é indicada para todos. Um protocolo internacional determina as condições dos pacientes que podem ser submetidos ao exame.
O Hospital Marcelino Champagnat, em Curitiba, começou a oferecer o procedimento em 2015. Com o início da pandemia do coronavírus, em março de 2020, a instituição registrou grande aumento na indicação do tratamento, que faz a circulação e oxigenação total do sangue. Em um ano de pandemia, oito pacientes realizaram a ECMO no hospital. Antes, a média de procedimentos realizados era entre um e dois pacientes por ano.
O cenário, observado em outros países, é o mesmo. De acordo com a Organização para Suporte Vital Extracorpóreo (Elso), instituição que regulamenta o uso e as diretrizes para a ECMO no mundo, antes da pandemia, a demanda pelo procedimento era prioritariamente para problemas cardíacos, com 70% dos casos, que, no total, giravam em torno de 150 a 200 por ano no Brasil.
“A pandemia fez com que o número de pacientes, submetidos à ECMO, no país, chegasse a cerca de 800, pelas nossas estimativas, sendo que 85% deles estavam relacionados à problemas no pulmão, provocados pela covid-19”, explica o cirurgião cardíaco e diretor da Elso de Campinas, Gustavo Calado.
Recuperados
O índice de sucesso no tratamento dos pacientes atendidos no Hospital Marcelino Champagnat é próximo a 50%, o mesmo do restante do país. “Os pacientes submetidos à ECMO não tinham praticamente nenhuma chance de sobreviver”, frisa Motta.
O caso mais emblemático, atendido no hospital, foi do empresário e atleta Kaique Barbanti, 28 anos. Ele ficou 62 dias internado com a covid-19. O fisiculturista, que perdeu quase 30 quilos, foi o paciente que ficou mais tempo submetido à ECMO no Paraná.
No total, foram 23 dias ligados ao equipamento. Seu corpo começou a responder apenas no 15º. “Não existe um tempo determinado para o paciente ficar na máquina. A membrana que utilizamos tem validade de 14 dias pelo fabricante. Os pacientes que se salvam, em média, ficam de 7 a 10 dias”, explica o médico intensivista.
Barbanti conta que os sintomas da doença surgiram após o sexto dia de infecção e, no 13º dia, a saturação do sangue estava em 87%. Nesse dia, o jovem foi internado na ala clínica do hospital e, no dia seguinte, intubado na UTI.
“Apesar de eu me cuidar sempre, com atividade física e alimentação, a covid-19 quase tirou a minha vida. Quando saí da terapia intensiva pela primeira vez, foi detectado um coágulo no sangue. Voltei para a UTI, logo fui intubado novamente e submetido à ECMO. Acordei achando que tinha passado um dia. Descobri dias depois sobre o procedimento, minha falta de resposta inicial e que a minha família chegou a ser chamada para se despedir de mim. Apesar de todo o sofrimento, a ECMO foi o que me salvou”, relembra.
Devido ao uso do aparelho, o pulmão do atleta ficou 22 dias se recuperando. Isso possibilitou que, três dias após deixar o aparelho, ele voltasse a respirar sem ajuda nenhuma.
Diferente de Kaique, que não tinha comorbidades, o professor Robert tinha sobrepeso, hipertensão e era pré-diabético. Ele foi internado com covid-19 no dia 21 de dezembro, com 50% do pulmão comprometido. No dia seguinte, já na UTI, precisou ser intubado e, no dia 28, foi submetido ao tratamento da ECMO.
“No dia 8 de janeiro, quando saí da sedação, não conseguia me mexer ou falar. Tinha perdido 32 kg, estava fraco e, na primeira ligação com a minha família, me comunicava mexendo os olhos. A ECMO salvou a minha vida”, afirma.
Funcionamento
O equipamento de ECMO faz o processo de oxigenação do sangue praticamente sozinho, permitindo que o pulmão descanse. Um tubo colocado na perna do paciente puxa o sangue com velocidade de até sete litros por minuto para a membrana extracorpórea, onde é realizada a troca gasosa, retirando o dióxido de carbono e colocando o oxigênio. Depois, o sangue oxigenado volta para o corpo do paciente por meio de uma conexão feita no pescoço.
Por se tratar de uma terapia complexa, para incorporar o tratamento com ECMO, além do aparelho, o hospital precisa de capacidade de intervenção bem avançada e equipes multidisciplinares treinadas para operar o equipamento e acompanhar os pacientes.